Guerrilheiras ou para a Terra não há desaparecidos

Desliguem os celulares!


Alguém me ouve?


Quando vão me encontrar?


Sugiro que leia esse texto ouvindo essa música:




A Guerrilha do Araguaia, infelizmente, não tem a devida atenção que deveria ter: seja nos livros escolares, nos meios de comunicação e, muito menos, no calendário nacional de acontecimentos memoráveis.  Além desse silenciamento do conflito do Araguaia e, por consequência, de suas vítimas, não é surpresa que a presença da mulher não seja evindenciada no conflito. Até que surge um texto belíssimo apresentado em Guerrilheiras ou para a Terra não há desaparecidos. Com uma sensibilidade impressionante, a seriedade de uma pesquisa histórica - e de campo - muito boa e a competência de falar do que muito pouco se fala (ou do que muitos tentam calar): a mulher na luta.
A peça não pretende ser um retrato histórico, mas dar volume para vozes quase inaudíveis da Guerrilha do Araguaia. O texto, de forma poética, erótica e firme, cria um possível diálogo entre as moças que estão desaparecidas. Desaparecidas? Talvez estejam ali, a 15 passos do Rio Araguaia, do lado da raiz de uma árvore ou embaixo de uma pedra. Moças que, com o tempo, foram esquecidas. Esquecidas? Por quem? Pelos pais? Pelos amigos? Pelos amores deixados, ou nem vividos? Ou por nós?
A Guerrilha do Araguaia foi um dos mais importantes, penosos e massacrantes  conflitos entre os revolucionários e as forças armadas do regime militar. Muitos interesses  envolvidos: latifúndios; monopólio político; favores trocados; etc. Em uma época de cerceamento de direitos, esses setenta jovens se mudaram para a região do Rio Araguaia, sul do Pará - divisa com o Estado do Tocantins,  com o objetivo de empoderar a população campesina a lutar pelo direito à terra e, também, por acreditarem que a revolução poderia vir do campo.
Para tanto,  os setenta jovens partiram para um treinamento paramilitar e de conhecimento estratégico  da região. A ida dos jovens, em 1967, desencadeou um combate, de mais ou menos oito anos,  que culminou com o envio de cinco mil soldados para a região. Como esperado, houve apoio dos fazendeiros que temiam por uma insurreição revolucionária campesina.
O resultado foi impressionante, embora perdida pelos jovens, a guerrilha foi exemplo de resistência, justamente, por ter  durado tanto tempo. Mesmo com material bélico tão desproporcional (armas velhas dos jovens, contra a artilharia pesada do Exército nacional)  e um número de combatentes incompatível, o último guerrilheiro foi capturado em 1975. A luta pela terra contra o latifúndio se encerraria com mais de meia centena de desaparecidos, dentre os quais 12 são mulheres.
Doze mulheres que são o enredo, inspiração e a voz do espetáculo. Idealizado por Gabriela Carneiro da Cunha e dirigido por Georgette Fadel, o texto olha para essas pessoas sem se passar por elas. O espaço do palco é aproveitado de maneira adorável e intensa. Intensa como a vitalidade das atrizes ao darem corpo ao sofrimento e injustiça que constituem a história da guerrilha. Todos estão presentes, o camponês usurpado; a mãe que não sabe onde está a sua filha; o soldado que foi cooptado para realizar um plano perverso que gera morte e divisão: morte de um ideal de igualdade e a divisão do povo.
O corpo é livre, assim como a memória da terra é profunda. Os corpos das doze jovens, talvez não mais presentes entre nós, estão presentes na memória de um conflito que mostra bem como acontece a opressão de um povo: 5 MIL contra 70! A nudez vira força, e a voz vira faca! O povo brasileiro não luta? Será? Ou sempre que há uma insurreição popular a lógica dos 5 MIL é aplicada? O espetáculo, sem dúvidas, é magnífico e causa repulsa. Repulsa em nós e de nós. Afinal, quem mesmo não luta?

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