A Janela de Vanda

Em janeiro de 2015, fizemos uma viagem fascinante por Ouro Preto e região, o roteiro mineiro do ouro e, hoje, um roteiro histórico magnífico. Há muito o que se falar sobre essa região: as minas; as igrejas; uma exposição na Casa da Moeda que expõe alguns instrumentos de tortura utilizado na escravidão; os museus e as belezas naturais da região. A culinária é uma página a parte... deixei cinco dicas do que mais gostei na região aqui.
Ao visitar Mariana, fizemos um roteiro extenso e cansativo pela manhã na cidade e, na parte da tarde, com mais tempo visitamos a Igreja de São Pedro dos Clérigos. É uma igreja inacabada, foi tombada assim. Tem uma história misteriosa, desde um túnel no qual seminaristas e noviças se encontravam, para manterem relações sexuais, a desvio de ouro por escravos para comprarem sua liberdade e poderem construir suas próprias igrejas -  já que não podiam frequentar as mesmas igrejas dos brancos. Foi fundada em 1731 e sua construção se estendeu por 200 anos.
Esse abandono de dois séculos foi justamente por ser considerada mal assombrada pelas coisas “erradas” que aconteceram ali. Essa história que lhes conto, pode nem ser a verdadeira, mas a história que ouvimos de Vanda* e que foi, de longe, uma das melhores  experiências da viagem: ouví-la.
Vanda não conseguiu entrar no circuito oficial dos Guias de Turismo, mesmo tendo feito escola técnica em turismo. Vanda tem que trabalhar em vários empregos para manter seus filhos, ela não alcançou o prestígio que os outros têm para ser guia. Vanda bebe, bebe porque a vida é difícil de levar. Uma moça que bebe não é como todos. Sim, ela não é. Ela nos apresentou a Igreja de uma forma que nunca vi um guia (e olha que vi muitos) apresentar.
Ela em primeiro lugar entra na igreja e diz: “Tá vendo essa igreja aí, desse tamanho? Então, foram os escravos que fizeram...”, ela conhece todos os cantos da construção, a pedra solta que serve de exemplo para entendermos a técnica de sobreposição de pedras; a escada que leva ao campanário; as salas e corredores e “A JANELA”.
Vanda me conquistou, pela força de “se virar “ fazendo o bico como guia, e pela sensibilidade de me apresentar justamente essa janela. Com seu andar leve e preciso, de quem sabe onde está e o que está fazendo, ela nos levou até uma janela de madeira antiga e pesada, abriu e disse: “Olhe”, olhei pela janela e vi um morro a mais ou menos uns 3 km de distância. “Desse morro que meus antepassados traziam a pedra para construir essa igreja aqui, pensa bem, viu o tamanho dessas pedras que estão nessa Igreja, era de lá que eles traziam.”
Vanda me sensibilizou e me deixou impotente. Seu sonho era ser guia, mas não a aceitaram. Então,  tinha que trabalhar de garçonete para complementar o orçamento. Ela, como tantas outras mulheres, sempre está sendo julgada e impedida de fazer o que quer! Vanda foi a melhor guia que já tive, pois ao contar sobre os escravos era como se ela dissesse com sua história: “tá vendo como essa marca ainda está sobre mim: mulher; negra; pobre”. Quantas Vandas existem por aí? Quantas olham pela Janela e dizem: “tá vendo, de lá que venho para construir esse império - que não é meu”.
*Não sei se esse é o nome dela, mas publico pois é o nome que ela atende aos turistas.

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