Sobre ser propriedade….
Recentemente
um colega me chamou de Senhora, era uma brincadeira, eu disse: “Não precisa
chamar de senhora, não”, e logo ouvi um resposta que me deixou sem palavras:
“Senhora sim, isso para mostrar que você tem um dono”. Sou casada e fiquei
incomodada, muito. Ele pediu, em suas próprias palavras, “Francas desculpas”
pela ironia descabida, foram aceitas. Contudo, ser propriedade de alguém,
para mim, mulher e negra, é um problema, e um problema grave. Primeiramente, por
que meus ascendentes eram propriedades de alguém e isso significava não ter
escolhas, não ter direitos, não ter humanidade. Triste. As mulheres são, ainda,
propriedades:
Do Estado: quando têm seus corpos
controlados por leis que não foram escritas por elas; quando o aborto não é
visto como uma questão de saúde pública; quando querem aumentar a burocracia
para o atendimento e profilaxia pós-estupro; quando querem impor que entrem com
roupa X ou Y em espaços públicos (Fóruns, por exemplo).
Da sociedade: quando o tamanho das suas
roupas mostram o quanto de credibilidade merecem; quando na Academia precisam
se masculinizar para serem respeitadas; quando são separadas em “para casar” e
“para se divertir”; quando a indústria da beleza dita o que precisa para ser
uma mulher de verdade (nem entrarei na questão da beleza negra, que,
infelizmente, nunca é reconhecida); quando a responsabilidade por ter filhos é
da mulher (se quer muitos, não fecha as pernas, se não quer - é incompleta);
quando parece puta com batom vermelho; quando você lê num jornal que um
advogado de defesa disse que seu cliente não estuprou, porque não se estupra
uma atriz pornô; quando não se pode andar a noite na rua porque “está pedindo”;
etc.
De seus maridos: quando não se aceita a
possibilidade de estupro conjugal; quando recai sobre as mulheres todas as
responsabilidades domésticas, com os filhos e de “servir ao marido”;
quando a mãe solteira é vagabunda e o pai solteiro é herói; quando a
responsabilidade de um casamento não ter dado certo, é sempre delas; quando até
a traição do homem é vista como “incompetência de segurar seu homem”.
Voltando à questão do
“Senhora”; vemos que a mudança do vocativo de “Senhorita” para “Senhora” é um
marcador social da diferença, afinal, uma “senhora” não está disponível
por aí, ela é uma propriedade. Se torna intocável, que deve se dar ao respeito
e que deve honrar o sobrenome que herdou de seu ilustre marido.
Para encerrar essa
reflexão desarrumada e inquietante, lembro de quando era graduanda na Unifesp e
foi baixado um código de ética e, dentre do muitos absurdos escritos lá, as
meninas não poderiam usar roupas que atrapalhassem os trabalhos acadêmicos
“causando distração”....
Talvez meu colega esteja
certo, a sociedade queira mesmo que eu acredite que eu tenha um dono. Mas eu
prefiro não...
***
Publiquei
esse texto em minhas redes sociais, não é um revide. Talvez, raiva. Raiva de ver naturalizado nas nossas ações diárias - inclusive nas minhas - o machismo. É um demonstração dos pequenos machismos que temos que enfrentar no
dia a dia: no trabalho; na escola; nas igrejas; em casa... Nós mulheres somos
tratadas como propriedades e como "culpadas" pelos pecados do mundo
desde muito tempo.
Demonizam
nosso corpo, nosso sexo, nossa voz, nossas experiências. Somos santas e algozes. Somos castas e profanas. Tenho lido a Bíblia com bastante atenção para a presença das mulheres nela,concordo que existem muitos textos que dão argumento para os machistas e tudo mais. E eles sempre são lembrados, principalmente, fora de seus contextos. Mas gostaria de lembrá-los de algumas passagens que, se estudadas com o cuidado necessário, vemos que Deus se agrada do protagonismo das mulheres:
Juízes 4, 4 E Débora, mulher profetisa, mulher de Lapidote, julgava a Israel naquele tempo.
Ester 5, 1-2 Sucedeu, pois, que ao terceiro dia Ester se vestiu com trajes reais, e se pôs no pátio interior da casa do rei, defronte do aposento do rei; e o rei estava assentado sobre o seu trono real, na casa real, defronte da porta do aposento. E sucedeu que, vendo o rei a rainha Ester, que estava no pátio, ela alcançou graça aos seus olhos; e o rei estendeu para Ester o cetro de ouro, que tinha na sua mão, e Ester chegou, e tocou a ponta do cetro.
2 Timóteo 1,5 Trazendo à memória a fé não fingida que em ti há, a qual habitou primeiro em tua avó Lóide, e em tua mãe Eunice, e estou certo de que também habita em ti.
Acredito
que Jesus ao olhar para Madalena nos olhos, ao levantar da sua posição de Rabí
e se colocar como um igual à mulher pecadora, nos mostrou que a Lei de Moisés
servia a uns e excluía a outros. Estamos nós cometendo os mesmos erros
que os Fariseus?
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