Festa do corpo de Deus

No dia 13 de março, tive a oportunidade de participar de um encontro no qual discutimos sobre corpo feminino, poetisas, produção feminina, arte, teatro e feminismo(s). Foi lindo e ótimo. A minha fala, especificamente, fez a conexão entre o poema da Adélia Prado, Festa do corpo de Deus, e a proibição, tabus e o controle que a Igreja Cristã estabelece sobre o corpo da mulher. Após o encontro, decidi transformar a fala num pequeno texto esquemático, para que mais pessoas tenham acesso à reflexão, assim, segue o poema - fantástico, diga-se de passagem - e a reflexão:

Todas Maravilhosas <3 





Festa do corpo de Deus
Adélia Prado


Como um tumor maduro
a poesia pulsa dolorosa,
anunciando a paixão:
“Ó crux ave, spes única
Ó passiones tempore”
Jesus tem um par de nádegas!
Mais que Javé na montanha
esta revelação me prostra.
Ó mistério, mistério,
suspenso no madeiro
o corpo humano de Deus.
è próprio do sexo o ar
que nos faunos velhos surpreendo,
em crianças supostamente pervertidas
e a que chamam dissoluto.
Nisto consiste o crime,
em fotografar uma mulher gozando
e dizer: eis a face do pecado.
Por séculos e séculos 
os demônios porfiaram
em nos cegar com este embuste.
E teu corpo na cruz, suspenso.
E teu corpo na cruz, sem panos:
olha para mim.
Eu te adoro, ó salvador meu
que apaixonadamente me revelas
a inocência da carne.
Expondo-te como um fruto
nesta árvore de execração
o que dizes é amor,
amor do corpo, amor.



Proibição é controle - principalmente quando se fala de corpo feminino



O corpo feminino é muito mais parecido com o Deus Cristão que o corpo masculino: quem gera? Quem sangra e não morre? Quem nutre e sustenta os seus filhos? Essa apresentação indomável do corpo feminino fez com que o homem (macho) desejasse masculinizar Deus e construísse uma série de tabus sobre corpo da mulher para separá-la de Deus e do poder divino. 


Nessa perspectiva de pensamento, entendemos por que existem tantos senões sobre a conduta de vida, o corpo e a existência da mulher: ela é a pecadora, ela provoca o homem, ela deve se cobrir para não despertar o desejo, ela deve se cobrir para não ser abusada, deve ficar em casa, etc. Ou seja, querem nos encurralar, nos privar da liberdade, querem nos separar da nossa semelhança com Deus: somos más, fonte de mau desejo, nossa semelhança à imagem de Deus é retirada. 


Assim como desejam separar o corpo da mulher dos filhos, dando-lhes o nome dos pais, ou lhe incapacitando de ser responsável pela prole, quase que rebaixando a mulher ao status de dependentes que os filhos pequenos têm. O filhos pertencem ao pater. Penso, como mãe, os filhos durante certo tempo são inseparáveis da mãe, assim como nós somos inseparáveis de Deus, mas a única comparação que é feita é entre o pai e Deus: O Deus que nos protege, que provê, que nos livra. Poucas são as comparações com o cuidado, com o nutrir com o gerar. Deus foi e continua sendo masculinizado e essa é uma forma de controle sobre a mulher.


Minhas reflexões se dão nas disputas do corpo da mulher e como elas acontecem: quais são os encontros? As forças discursivas e tabus que nos oprimem? Então, encontrei esse poema da Adélia Prado que fala da nudez do Cristo, do corpo humano de Cristo e o compara com a mulher, mostra que a verdadeira execração acontece com o corpo da mulher, com a proibição do gozo feminino e com o aviltamento do corpo da mulher. O que não acontece com o corpo de Cristo, mesmo que nu, mesmo que tenha nádegas, as nádegas do pecado são as nádegas femininas.
Com participação especial da Nina <3 

É um poema provocador, que nos faz refletir sobre o corpo e seus tabus. Se pensarmos dessa maneira, descobriremos ferramentas para a emancipação do corpo feminino e do direito de nos acharmos imagem e semelhança de Deus! Ninguém abusa de um corpo que é imagem do corpo de Deus! Dessa forma, qualquer desrespeito à mulher, seria um desrespeito à imagem e semelhança de Deus. Infelizmente, essa visão ainda é embaçada, mas lutemos para que seja clara e eficaz!


Por fim, essa é a grande luta das feministas cristãs: desmasculinizar Deus (pela própria teologia, Deus é espírito e não tem sexo). Quando admitimos que o sexo não importa, somos todos imagem e semelhança de Deus, teríamos os mesmos direitos e deveres (tanto direitos civis, quanto religiosos - na ordenação), mas se Deus continuar sendo macho, os homens continuaram com mais direitos!






Bênção


A bênção do Deus de Sara, Abraão e Agar,
a bênção do Filho, nascido de Maria,
a bênção do Espírito Santo de amor,
que cuida com carinho,
qual mãe cuida da gente,
esteja sobre todos nós. Amém!






*todas as fotos são da querida Bárbara, obrigada!

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