Nina está chegando!
Nina, filha querida,
Seminário Teologia e Gênero, Porto Alegre |
Contudo, nessa carta, não falarei da nossa religião e nem de nossos princípios morais de vida, teremos uma vida para conversarmos sobre isso. Gostaria de falar da experiência de estar grávida, antes que eu esqueça os detalhes. Estar grávida é estar no ápice da cobrança do que a sociedade deseja para nós: “a proteção do lar”. Uma mulher grávida andando na rua ou fazendo qualquer atividade que não seja ir ao médico ou comprar roupas de bebê é motivo para questionamento. Se você entrar numa loja de fast food, então, meio mundo irá te falar: “você não deveria comer isso”- quando ninguém deveria comer esse tipo de comida. Pois é, parece que o corpo da mulher grávida é propriedade de todos, mais do que o corpo feminino que, infelizmente, é tratado como propriedade do Estado, da Igreja e dos homens.
Fé e participação política, FATIPI |
Mamãe, nesse período de gravidez , respeitou unicamente os limites do corpo. Sim, as indisposições são constantes, cuidados com o pré-natal (que é garantido por lei e deve ser feito com respeito!!!), exames ou a dificuldade de locomoção - com o avançar das semanas e peso do barrigão. No mais, fiz questão de me fazer presente no espaço público, por mais que isso incomode e desafie a ideia da mãe que se dedica única, e exclusivamente , à maternidade: a mulher que abre mão da carreira, dos sonhos, da vida pela maternidade. Filha, essa foi minha escolha e fiz isso porque me senti bem. Luto para que mulheres possam escolher entre dedicarem-se somente à maternidade, ou se dedicarem apenas à vida profissional, ou serem mães e profissionais. Sim, isso deve ser uma escolha sua e de todas as mulheres, não de preconceitos e regras sociais que não pensam no bem da mamãe ou do bebê, mas em manter o status quo: mãe boa, é mãe que cuida dos filhos e só.
Assim, tive oportunidade de cursar o mestrado e também a oportunidade de trancá-lo quando achei necessário, para poder cuidar de nós duas, e voltar quando você estiver grandinha. Tive a oportunidade de trabalhar e me afastar quando houve necessidade. É disso que falo, cada mulher deve avaliar a sua condição e o que será melhor para ela e para o seu bebê (lembrando que estou relatando sobre minhas escolhas, tudo bem se você seguir por outros caminhos que não esses.)
Nesse balanço de finalzinho de gravidez, tive necessidade de te escrever para te contar coisas muito legais que fizemos juntas, mesmo sem você saber. Escolhi quatro, que tiveram muita importância para mim:
-Em 15 de maio, aos 3 meses, você acompanhou a mamãe num evento muito bom sobre Teologia e Gênero. Mamãe ouviu e foi ouvida sobre a situação da mulher nas igrejas, como somos objetificadas, silenciadas e impedidas de ministrar a palavra e dirigir as instituições que participamos - foi maravilhoso. Mamãe ainda não sabia que era Nina, mas você estava lá, querida companheira.
Assembleia AIPRAL |
-De 8 à 14 de agosto, aos 7 meses, mamãe representou a IPI na Assembleia da Aliança de Igrejas Reformadas da América Latina. Foi, mais uma vez, ótimo poder trocar ideias com nossas irmãs da América Latina e da Mesoamérica. Todas nós sofremos com o capitalismo, com a falta de recursos para as mulheres e crianças mais pobres. Enfrentamos o machismo nas igrejas, enfrentamos a falta de oportunidades para sermos ministras do evangelho e assumirmos cargos de lideranças em nossas igrejas, sim, nossas irmãs latinas sofrem o mesmo que nós e, às vezes, infelizmente, nós brasileiras não nos damos conta disso e damos tão pouco a mão para elas. E você estava lá, chutando a barriga da mamãe, participando a seu modo de uma experiência enriquecedora!
Congresso da ANPOCS |
Mamãe te ama muito, espero que aos 30 anos você possa falar de outras conquistas para a sua filha, por enquanto nós temos avançado muito, resistido também, para que você viva a vida que você quiser, não a que lhe permitirem.
Com amor, mamãe.
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