Quanto custa a Cultura Gospel?

Gosto muito do texto de João 2, 13-22, que descreve a conhecida cena em que Jesus expulsa os mercadores do templo, contudo, não gosto da interpretação que a maioria dos cristãos dá a esta passagem. Não é raro ouvirmos cristãos, que são rudes com o “pecado” dos outros, justificarem seu ódio e suas atitudes grosseiras a partir do texto dos mercadores: “Se até Jesus se enraiveceu, porque nós não podemos fazer o mesmo?”. E é, justamente, sobre isso que gostaria de refletir, juntamente com o leitor: será que não estamos disfarçando nossa fúria com o próximo como se fosse zêlo com a palavra de Deus? Em outras palavras, em que medida não estamos alimentando uma cultura do mercado gospel em vez de uma cultura do evangelho?


Nessa perspectiva, acredito que estamos confundindo a atitude de Jesus com a intolerância com o próximo: Jesus expulsou mercadores do Templo? Sim, mas é bom lembrar que eram pessoas que estavam se aproveitando daquele espaço para se promoverem financeiramente e se aproveitarem da fé dos fiéis para benefícios próprios (comercial ou social). A atitude de Jesus em nenhum momento está nos ensinando a sermos rudes com o outro - atacarmos condutas, existências ou os “diferentes”, - mas está nos mostrando qual tipo de aproveitador não devemos ser ou, ainda, nos mostrando o quanto ele reprova quem se promove a partir da religião.


Assim, para conduzir essa reflexão, gostaria de explorar três pontos do texto de João 2: a. a época festiva; b. Jesus expulsou do templo uma categoria específica de pessoas: os aproveitadores e c. qual atitude Jesus recriminou nos mercadores. Primeiro ponto: era páscoa, uma data importante para os Judeus, as pessoas estavam mais dispostas para cumprir os ritos religiosos, portanto, mais sensíveis às investidas dos mercadores. A cidade estava cheia; a junção de muita gente, data especial e mercado era perfeita para quem queria ganhar dinheiro. O problema era vender? Não. O problema é aproveitar de quem quer prestar culto a Deus, influenciando diretamente na espiritualidade do outro em troca de lucro. Grandes festas sensibilizam as pessoas e esquentam o mercado (Natal, Páscoa, dia das mães, pais, etc), e aparentemente essa prática de vender para um público potencialmente sensibilizado, e vulnerável, tem alguns milênios de prática, infelizmente.


Ponto dois: quem Jesus expulsou? Sim, quero frisar isso! Jesus expulsou pessoas que conheciam bem a fé judaica e estavam se aproveitando desse conhecimento e do acesso ao templo para fazer negócios. Imaginemos um diálogo: “você vai oferecer duas rolinhas pelo nascimento do seu filho? Mas Maria, por mais algumas moedas você leva um cordeiro pela vida do menino. Esse aqui, ó, nem é tão imaculado, mas com certeza é melhor que essa rolinha, aí”, claro que esse diálogo é uma alegoria, mas se Jesus estava bravo, é porque, de alguma forma, as pessoas estavam sendo prejudicadas e Deus desrespeitado.


Então, entramos no terceiro ponto: Jesus ordena que não façamos da casa de Deus local de venda. De venda da fé, de venda de Deus e de venda de condutas. Somos chamados a espalhar o amor e a salvação de Cristo, e, tudo isso é de graça. A partir do momento que vendemos coisas (e modelos) em nome da Fé Cristã, corremos o risco de vender a própria salvação.


E, aqui, passamos a refletir à luz da passagem dos mercadores, sobre a realidade dos átrios de nossos Templos. Em época de redes sociais, o átrio é tudo aquilo que ouvimos e nos influencia na hora de prestarmos nosso culto a Deus. E, infelizmente, o átrio anda cheio de mercadores que têm ditado a conduta do povo cristão: na vida social, eclesiástica e familiar. Quando nos deparamos com um mundo em que existem sites de fofocas gospel cujo objetivo é apenas apedrejar pessoas que possam estar cometendo “pecado”; que existem exposições cristãs com verdadeiros “Shows room” (da venda) da Fé; quando a forma fica mais importante que o conteúdo e a vida mais frívola do que a “Marca da Fé”; achamos que estamos chicoteando os aproveitadores, quando, na verdade, estamos alimentamos os verdadeiros mercadores da Fé.


E isso em nada se relaciona com evangelizar: humilhar, linchamentos públicos e morais, desrespeitar o outro e manipular fiéis, não é evangelismo, é mercado! É mercado quando seguimos líderes que se vendem como exemplo único de conduta, como métrica da santidade e possuidores da única forma de se relacionar com Deus. Pois é, isso vende. Ser casal perfeito, vende. Ser mãe perfeita, vende. Ser levita perfeito, vende. Ser pastor perfeito, vende. Infortunadamente, temos produzido exemplares de crentes altamente vendáveis: livros, palestras, CDs, retiros, programas de TV, etc.


Além de vender, essa perspectiva da fé cristã consegue controlar as pessoas pela culpa em vez de ensinar o amor a Cristo. As pessoas têm medo dos “juízos gospeis”; medo de ir para o inferno; medo de ser um mal cristão e não se lembram que se estamos aqui, é porque Ele nos amou primeiro e o reflexo disso em nós, é amor a Cristo. Ao meu ver, a Cultura Gospel, pesarosamente, é a venda no átrio do templo, é o “pedágio obrigatório” para acessar os ensinamentos bíblicos, é o vendedor que vai mediar o sacrifício, é a mercantilização do que há de pior em nosso meio: mesquinharia, ganância, exposição e personalidades que são vistas e vendidas. O que temos feito, nós, para evitar essa tragédia anunciada?


Talvez, a Cultura Gospel não nos custe apenas alguns reais a menos no final do mês, e, sim, a perda de uma vida espiritual de qualidade, de devoção a Deus e dedicação ao próximo. Que Deus nos abençoe e nos ajude a prosseguir na fé, no amor e na alegria em servir!





Simony dos Anjos é socióloga, mestranda em educação, professora de Jovens na EBD e membro da IPI do Jardim Novo Osasco/Osasco-SP.

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